CPI - Direito da Minoria

(artigo originalmente publicado no jornal "Academia do Direito", Maio 2007)

 

Marcelo Lamy

O pluralismo é valor básico que fundamenta a democracia moderna. Há muito está superada a concepção política de que a maioria é o único parâmetro de condução do poder. Há que se respeitar e compatibilizar ao máximo os interesses de todos os grupos que compõe o corpo social, inclusive dos núcleos minoritários. Em verdade, os anseios da minoria cederão parcialmente (excepcionalmente de forma total) apenas quando os seus interesses são colidentes com os da maioria.

Em razão disso, construíram-se diversos instrumentos modernos de proteção das minorias (tais como as Ações Afirmativas) e de todos os grupamentos (como é o caso das novas Audiências Públicas desenvolvidas no âmbito do Poder Executivo).

Ora comentaremos a garantia constitucional concedida à minoria de ver instaurada uma Comissão Parlamentar de Inquérito, confirmada em decisão do plenário do STF do último dia 25 de Abril.

O artigo 58, §3º, da Constituição Federal de 1988 estabelece que as “Comissões Parlamentares de Inquérito (...) serão criadas (...) mediante requerimento de um terço de seus membros (...)”. Assim, uma vez apresentado requerimento de instauração que atenda aos requisitos constitucionais, a Mesa da Casa tem o dever de prolatar o ato criador.

O requisito constitucional atrela-se ao requerimento, não podendo o mesmo ser revisto em plenário. Em razão disso, na ADI 055.218.0/2, o Tribunal de Justiça de São Paulo declarou a inconstitucionalidade da expressão "aprovados por maioria absoluta", constante do art. 33. da Lei Orgânica do Município de São Paulo: “As Comissões Parlamentares de Inquérito (...) serão criadas pela Câmara, mediante requerimento de 1/3 (um terço) de seus membros, aprovados por maioria absoluta (...)”.

Nada obstante este relevante precedente, o STF teve que julgar nesses dias o MS 26441 contra ato da Mesa e do presidente da Câmara dos Deputados que – após a aprovação e a criação do inquérito parlamentar para investigar as causas, conseqüências e responsáveis pela crise ocorrida no setor aéreo brasileiro, a CPI do “apagão aéreo” – deferiu recurso contra a sua instalação. A base jurídica apresentada para tal deferimento foi o fato de que foi solicitada votação em plenário pela instalação e, neste escrutínio, não se atingiu o mínimo de 1/3 (um terço) dos parlamentares (a pressão da maioria certamente deve ter constrangido a minoria que a tinha solicitado). A minoria não conseguiu ratificar em plenário as 211 assinaturas do requerimento de criação da CPI, uma vez que somente 141 parlamentares manifestaram-se favoráveis a mesma, quando, para a Mesa, no mínimo seriam necessários 170 votos (1/3 da Casa).

O ministro-relator, Celso de Mello, acertadamente apontou que o requisito constitucional refere-se ao requerimento da instalação e não a atos posteriores. "A exigência é na gênese do requerimento", disse o ministro. “Pode ou não a maioria, sustentando-se no parágrafo 3º, do artigo 58 da Constituição, levantar questão de ordem e, por recurso, obstar a criação da CPI?” Não, respondeu o próprio ministro, pois “a prerrogativa de investigar da minoria, já deferida, não poderia ser comprometida pelo bloco majoritário. Não se pode deslocar para o Plenário a decisão final da instalação da CPI, já que é poder constitucional das minorias o de fiscalizar, investigar e responsabilizar, a quem quer que seja, por atos administrativos”.

Citando parecer do procurador-geral da República, Antonio Fernando Souza, o ministro lembrou que “são apenas três os requisitos constitucionais exigidos para a criação de comissões parlamentares de inquérito: requerimento de um terço dos membros de uma ou das duas Casas Legislativas, apuração de fato determinado e fixação de prazo certo”. Assim, diz o procurador, "tenta-se impedir que investigações parlamentares fiquem sujeitas aos caprichos da maioria, geralmente desinteressada em apurar certos fatos que possam colocar em risco a reputação e os interesses que representa”.

O ministro-relator citou também obra de consultor legislativo do Senado, Marcos Santi, que afirma: “No ato de criação de CPI, com a leitura e a publicação do requerimento, ou mesmo após a consumação dessas fases, as correntes parlamentares que a ela se opõem muitas vezes tentam inviabilizar o inquérito parlamentar. Por isso, quando da consumação da criação de uma CPI, ou mesmo quando essa já tiver sido criada, a base parlamentar de apoio ao Presidente da República com freqüência tem lançado mão de um último instrumento parlamentar: anular o requerimento, por meio do questionamento constitucional – e também regimental – do preenchimento dos requisitos de criação da comissão. Nessa medida, a análise da constitucionalidade do requerimento passa a ocupar o centro do debate político-parlamentar e caracterizar-se como um obstáculo adicional a ser superado para se viabilizar o inquérito parlamentar. Esse confronto expõe o que denominamos ‘tensão entre o direito das minorias’ – que em tese deveria estar assegurado com o preenchimento dos requisitos de criação da CPI – ‘e os interesses da maioria’, uma vez que esta, sentindo-se ameaçada, atua no sentido de tentar impedir o inquérito”

Esta problemática, de fato, não é nova no STF. Caso relevante também se operou no inquérito parlamentar destinado a apurar a utilização das “casas de bingos” na prática do delito de lavagem de dinheiro – “CPI dos Bingos”. Nesta ocasião, o bloco de apoio ao Governo se absteve de indicar os membros a compor a CPI e o Presidente do Senado, por sua vez, se absteve de suprir a omissão. Criou-se mecanismo curioso de se obstar a instalação.

O STF, neste caso, decidiu acertadamente que o Presidente do Senado devia proceder, ele próprio, à designação dos nomes faltantes dos Senadores que iriam compor esse órgão de investigação legislativa: “A prerrogativa institucional de investigar, deferida ao Parlamento (especialmente aos grupos minoritários que atuam no âmbito dos corpos legislativos), não pode ser comprometida pelo bloco majoritário existente no Congresso Nacional e que, por efeito de sua intencional recusa em indicar membros para determinada comissão de inquérito parlamentar (ainda que fundada em razões de estrita conveniência político-partidária), culmine por frustrar e nulificar, de modo inaceitável e arbitrário, o exercício, pelo Legislativo (e pelas minorias que o integram), do poder constitucional de fiscalização e de investigação do comportamento dos órgãos, agentes e instituições do Estado, notadamente daqueles que se estruturam na esfera orgânica do Poder Executivo. (MS 24.831, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 22-6-05, DJ 4-8-06).

Vê-se que o STF está por delinear todos os ângulos do direito da minoria instaurar CPI. Respeita-se assim a democracia e o verdadeiro pluralismo.

 

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