A IGUALDADE DESIGUAL
THE UNEQUAL EQUALITY

Maria Berenice Dias
Desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Pós-graduada e Mestre em Processo Civil  pela PUC-RS. Vice-Presidente Nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família - IBDFAM

Versão final: agosto de 2003.

RESUMO: O princípio da igualdade é um dos sustentáculos do Estado Democrático de Direito. Correlacionadas entre si, a liberdade e a igualdade foram os primeiros direitos a serem reconhecidos como direitos humanos fundamentais e passaram a servir de parâmetros para direitos outros, que se desdobraram em gerações, a fim de garantir respeito à dignidade da pessoa humana. O sistema jurídico assegura tratamento isonômico e proteção igualitária a todos os cidadãos no âmbito social. Na presença de vazios legais, a plenitude do reconhecimento de direitos é implementada pela igualdade. Omitindo-se o legislador em regular situações dignas de tutela, as lacunas precisam ser colmatadas pelo Judiciário, que não pode negar proteção jurídica nem deixar de assegurar direitos sob a alegação de ausência de lei. Precisa assumir o juiz sua função criadora do direito. A identificação da semelhança significativa que permite a aplicação da analogia também se funda na igualdade. Outro não pode ser o princípio a ser invocado para se reconhecerem direitos aos segmentos alvos da exclusão social. Preconceitos e posturas discriminatórias, que tornam silenciosos os legisladores, não podem levar também o juiz a calar-se. Imperioso que ele reconheça direitos às situações merecedoras de proteção, pois não pode se afastar do dever de fazer justiça. As uniões entre pessoas do mesmo sexo, ainda que não tuteladas expressamente nem na Constituição Federal nem na legislação infraconstitucional, existem e fazem jus à tutela jurídica. A ausência de regulamentação impõe que, invocando-se o princípio da igualdade, as uniões homoafetivas sejam identificadas como entidades familiares no âmbito do Direito de Família. A natureza afetiva do vínculo em nada o diferencia das uniões heterossexuais, merecendo ser reconhecido como união estável.

PALAVRAS-CHAVES: igualdade, orientação sexual, união estável, isonomia.

ABSTRACT: The principle of equality is one of the pillars of a Democratic State of Law. Liberty and equality were the first rights to be recognized as fundamental human rights and began to serve as parameters for other rights, which developed over generations to ensure respect for human dignity. The legal system ensures equal treatment and protection for all citizens on a social level. Where there are legal gaps, full recognition of rights is implemented based on equality. If the legislator is remiss in regulating situations meriting legal protection, the gaps must be bridged by the Judiciary, which cannot deny legal protection or fail to uphold rights, alleging the absence of law. The judiciary needs to accept its role as a creator of rights. Meaningful similarity that allows for the use of analogy is also based on equality. There is no other applicable principle that allows us to recognize the rights of segments that have been the victims of social exclusion. Prejudice and discriminatory practices, which silence legislators, cannot also lead the judges to keep quiet. It is imperative that the Judiciary recognize rights in situations meriting protection, since it cannot abdicate its duty to serve justice. Unions between persons of the same sex, even if not expressly protected in the Federal Constitution or legislation of a lesser order, exist and are entitled to legal protection. According to the principle of equality, the absence of regulations requires the identification of homosexual unions as family entities under Family Law. The intimate nature of the bond in no way distinguishes it from heterosexual unions and it deserves to be recognized as a "stable union".

KEY WORDS: equality, sexual orientation, stable union, equal protection under the law.