Diz um provérbio
erudito, que a sabedoria “reina”, mas “não governa”. Quem governa é a ação, a
phronêsis platônica; a Prudência aristotélica, o agir deliberado, refletido.
Prudência é a ação ponderada, discutida, examinada, enfim, deliberada. Sim, o
Estagirita (Aristóteles é da cidade de Estagira) desenvolveu o conceito de
phronêsis legado por Platão e concebeu uma importantíssima teoria geral da ação,
uma hermenêutica da existência humana enquanto agente no mundo e sobre o mundo.
A phronêsis/Prudência – recta ratio agibilium – é virtude opinativa da alma:
“daí que a Prudentia seja considerada a mãe (genitrix virtutum) e a guia (auriga
virtutum) das virtudes”, diz Jean Lauand (FE-USP): “a virtude que realiza as
demais”.
A ação prudente é cautelosa, sim. Mas, ao contrário do que pensa o senso comum,
Prudência não é morosidade, aliás, não admite perda de tempo. É rápida e
certeira pois, o kairós (o tempo, do grego, no sentido de agir bem, no momento
certo) é inerente à virtude da Prudência. “Nem antes nem depois”, como Odisseu
(Ulisses) orienta a seu filho Telêmaco, na Odisséia Homérica.
Tendo examinado cuidadosa e cautelosamente a questão que se apresente, ao
Prudente urge agir de imediato. Mas examina, delibera. Alertando para a
importância do kairós adequado à ação justa, o Pensador francês Pierre Aubenque
afirma: “Não há justiça, se a decisão é tardia. O momento, o tempo, que permite
que a justiça ocorra, é determinado pela Prudência”. Renomado estudioso dessa
doutrina em Tomás de Aquino, o prof. Dr. Jean Lauand também atesta: “Na verdade,
a prudentia, enquanto virtude da decisão, é a própria base da justiça e a
iurisprudentia nada mais é do que a prudentia do ius”.
A virtude da Prudência se estabelece em circunstâncias bem peculiares. O saber
científico, das ciências, esse saber “lógico” pode dispensá-la. Sobre todos os
nossos conhecimentos já certos, como o saber dos seres em si e por si, imutáveis
e eternos, tais quais a aurora e o crepúsculo, as estações do ano, os ciclos
lunares, os matemáticos e geométricos, o saber das Formas puras (Idéia
platônica), de nossa mortalidade enfim, coisas já assentadas, não se pondera,
não se escolhe, não há o que discutir, alterar, portanto, não se delibera.
Só deliberamos (e aí sim, podemos orientar nossa ação pela Prudência) sobre
“tudo o que é obra do homem”, como diz Aristóteles, o que está sujeito à
mudança.
É por isso que não há como se atribuir à ciência meramente lógica, um valor
moral, ela não é meritória, é o que é. Atentem que um mal uso da Prudência (que
não é da alçada das ciências exatas) seria uma contradição pois, ser prudente –
agir bem – não comporta o insensato.
Eis que a Prudência é outro gênero de conhecimento, é um saber moral porque há
mérito em possuí-lo. Ela não existiria sem virtude moral. Em Aristóteles é a
cisão do próprio mundo real que possibilita uma cisão paralela no interior da
razão, não somente no interior da alma cognitiva (e seus modos de apreensão,
exame, intelecção, cognoscência), mas da vida prática, contingente. Contingente
é essa vida que levamos: instável, incerta, mutável, sujeita a atenuantes e
agravantes, ao exame das circunstâncias, em suma, à deliberação.
A contingência fomenta, funda e alimenta a virtude da Prudência, faz dela sua
morada pois, é justamente por vivermos num mundo contingente, ou seja, sujeitos
ao trágico, ao inimaginável, ao infortúnio, é no solo do acaso e do incerto que
emerge a “auriga virtutum”, a boa ação, a virtuosa, posto que bem pensada.
Conforme atesta Aubenque: “é a indeterminação dos futuros que faz do homem
princípio; o inacabamento do mundo é o nascimento do homem”.
A Prudência é considerada a virtude par excellence porque somente através de seu
exercício é que o seres humanos podem refletir e escolher. Eis que a virtude da
Prudência é a de um Saber da práxis, da ação com a qual os homens se acostumam e
incorporam, se habitual e constituem sua moral.
Nossas escolhas habituais, baseadas na valoração – ou não – de nossos
semelhantes, na consideração (do latim siderio, estrelas) pelo “Outro”,
constituirá nossa moral, estabelecerá nosso ETHOS.
Ao revelar o ETHOS humano, a virtude da Prudência fundamenta sua
incontestavelmente notória importância. Nosso planeta (habitat), como um todo,
subordinado aos nossos hábitos (modus vivendi e modus operandi, passíveis de vir
a ser constituídos por virtudes ou vícios) explicita nosso ETHOS.
O filósofo grego pré-socrático Heráclito é quem nos dá o mais antigo testemunho
da palavra phronêsis (Prudência), ao alertar que, na multidão, cada um, ao invés
de compreender o que é comum, “se deixa viver como se tivesse sua própria
inteligência”. O que ele quer dizer, segundo Aubenque, é que os mortais
participam, bem ou mal, de um lógos que os ultrapassa e a falta mais grave do
homem é opor sua individualidade ao universal no qual se insere".
Se o melhor absoluto se revela impossível, dadas as circunstâncias, busquemos o
melhor possível, nos ensina Aristóteles. Deus não delibera, não precisa;
tampouco o animal detém poder para examinar suas possibilidades. Somente o homem
é chamado à ação: “Torna-te o que és”, roga uma antiqüíssima inscrição no
frontispício do oráculo de Apolo, na cidade grega de Delphos.
Segundo Aubenque, “A deliberação representa a via humana, ou seja, mediana,
aquela de um homem que não é completamente sábio nem inteiramente ignorante
[como o daimon intermediário que vimos no artigo anterior, O Banquete sobre o
Amor, de Platão], num mundo que não é, nem totalmente previsível, nem totalmente
imprevisível, o qual, no entanto, convém ordenar usando as mediações
claudicantes que ele nos oferece”.
Como Aristóteles, sabemos que a deliberação, o exame, cujo conceito é emprestado
da prática política, não basta para constituir a virtude, pois a deliberação não
diz respeito ao fim, mas aos meios; em Aristóteles, a phronêsis torna-se
Prudência, descola-se do “Ideal” platônico como télos (finalidade, propósito),
não diz mais respeito ao Bem, mas ao útil. Eis que a deliberação enquanto tal,
pode ser posta a serviço do mal, da desmedida, a hýbris grega.
Também no frontispício do Oráculo do deus da harmonia, se lê: “Conhece-te a ti
mesmo!” E conhecerás o Universo? E saberás que és um deus? Ou... E constatarás
que és mortal? Sejamos Prudentes.
Convido-os, amigos, a refletir sobre o ETHOS humano à partir de nossa relação
com a natureza, assistindo ao vídeo “A história das coisas”, disponível em meu
Blog (www.lucienefelix.blogspot.com) e também no site: www.unichem.com.br .
Basta clicar em “sustentabilidade”.
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