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Artigos de Filosofia


Parmênides, Heráclito e a Caixa de Pandora
O eterno, a mudança e a esperança no porvir

Luciene Félix
Professora de Filosofia e Mitologia Greco-Romana da ESDC
mitologia@esdc.com.br

Amigos leitores, estamos chegando ao final de mais um ciclo. Novamente, outro se iniciará, num eterno devir (vir a ser, porvir, tornar-se). A eternidade é uma espécie de presente contínuo; é o que experimentamos agora, em nossa vida, sempre em mudança. Filosofemos com os exponenciais gregos Heráclito, Parmênides e Hesíodo.

Parmênides, nasceu na cidade de Eléia, na Magna Grécia, em cerca de 540 a.C. Ele nos legou uma das maiores posições metafísicas radicais da história do pensamento filosófico ocidental. Trata-se da primeira grandiosa formulação do princípio de não-contradição; aquele princípio que afirma a impossibilidade de os contraditórios coexistirem simultaneamente. Esses dois supremos contraditórios são o “ser” e o “não-ser”. Para o Eleata, “O Ser é, e é impossível que não seja” e também afirma: “O Não-Ser não é e dele não se pode sequer falar”. Junto a essas duas proposições, há ainda uma terceira: “É o mesmo o Ser e o Pensar”. O ramo da filosofia que se debruça ao estudo do “Ser enquanto Ser”, chamamos ontologia.

O Ser, é ingênito e incorruptível. Impossível ter sido gerado pois se fosse, teria sido derivado do não-ser ou do ser: do não-ser é impossível, porque o não-ser não é; do ser é também impossível, porque então já seria e não haveria necessidade de ter sido gerado. E é também por essas mesmas razões que é impossível que se corrompa. O “Ser” não tem um passado (porque nesse caso não seria mais) e tampouco um futuro (porque não seria ainda). O “Ser” é o que há de imutável no mundo, o (tempo) presente eterno sem início nem fim. É o “agora”, é o que vivemos.

Já Heráclito, da cidade de Éfeso, contemporâneo de Parmênides (aquele da afirmação de que não se banha duas vezes no mesmo rio), nos legou o célebre aforisma de que “Tudo Flui” (Panta Rhei). Tudo muda, o tempo todo; que tudo se altera é uma certeza que temos. O Filósofo francês Marcel Conche afirma: “Que tudo muda, é algo que não muda. Que tudo passa, é algo que sempre será verdadeiro”. O que não muda é o devir. O que não se altera é o “Ser” (o tempo presente, o eterno “agora” do Ser de Parmênides).

Tudo passa. Mas é só no presente que nos damos conta dessa passagem. O passado já era, não é, não existe mais (embora no presente possamos rememorá-lo). O futuro é o porvir, ainda nem existe, não passa de uma promessa de vir a ser, tornar-se. Também, somente no presente possamos ponderar sobre o futuro; é necessário então, dispor do nosso tempo presente para imaginá-lo.

A eternidade é e, paradoxal e simultaneamente, está em mudança contínua. É agora e também será em instantes; será um outro “agora” (não mais enfadonha!), mas o será sempre.

Logo, o que caminha de mãos dadas com a eternidade parmenidiana é a certeza de mudança heraclitiana.

Ainda anterior aos Filósofos acima, o aedo (poeta) Hesíodo, em sua obra “Os Trabalhos e os Dias”, narra o mito de Prometeu e Pandora. O soberano do Olimpo, Zeus (Júpiter), encolerizado, encomendou ao mestre da technée, Hefestos (Vulcano), uma mulher belíssima, fascinante, perfeita, com todos os dons (pan = todos e dora = dons), juntamente com um grande e misterioso vaso (pithos = jarro) ou caixa, na versão mais corriqueira. Era para que os homens fossem castigados em razão de Prometeu ter roubado e lhes entregue o fogo divino. O ordenador do cosmos era contrário a esta dádiva, sabia que os homens se julgariam melhores que os deuses e esqueceriam seus deveres para com os semelhantes. Prometeu, conhecedor do que que estaria por vir (pro = antes e metheus = vidente), esquivou-se de tal presente, alertando também seu irmão, Epimeteu (que só sabe do resultado de uma ação depois de tê-la infringido). Mas Epimeteu não resistiu aos encantos da fêmea e acolheu Pandora. Dentre todos os dons com os quais fora guarnecida, ela contava também com a persuasão, a graça e a ardilosidade, a imprudência e a curiosidade: fez-se o malefício, brincadeira de Hermes (Mercúrio). Após muito resistir, Pandora sucumbe, abre a caixa e... tarde demais! Espantosa fonte de calamidades, dela escapam todos os males que assolam a humanidade (peste, guerra, violência, fome e miséria; também geres, a velhice maldita para o corpo e inveja, despeito e vingança para o espírito). Desesperada, Pandora fecha imediatamente a caixa. Lá, só restou o porvir.

O porvir, o futuro, o que está para acontecer, benéfico ou não, foi o que restou na magnética caixa, astutamente enviada por Zeus. E não poderia ser de outra forma. Ao sair da caixa, o porvir torna-se presente, passa a ser.

Santo Agostinho, ao esclarecer sobre a eternidade, dizia que ela era um presente que permanece presente, e que o real é, portanto, a própria eternidade: o perpétuo hoje de Deus (ou, para os não-religiosos, o perpétuo hoje do mundo).

Na expectativa, nós é que acalentamos a ESPERANÇA de que, na cidade dos homens e/ou na cidade de Deus, o porvir seja afortunado. Feliz e abençoada nova (eterna) caixa de Pandora para todos nós!

Saiba mais:

Hesíodo – O Trabalho e os Dias. Trad. Mary de Camargo Neves. Ed. Iluminuras (1996)
Luciene Felix – Narrativas de Mitos Gregos (arquivos de áudio): www.esdc.com.br

Escola Superior de Direito Constitucional - ESDC
55 (11) 3663-1908 - esdc@esdc.com.br  -  www.esdc.com.br

 

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